Cazuza, 35 anos depois: a vida intensa e o legado eterno do poeta que incendiou o Brasil
Há exatos 35 anos, em 7 de julho de 1990, o Brasil perdia um de seus artistas mais incendiários e autênticos. Agenor de Miranda Araújo Neto, o Cazuza, morreu aos 32 anos, vítima de complicações relacionadas à aids. Três décadas e meia depois, sua voz continua sendo símbolo de liberdade, rebeldia e poesia em estado bruto.
Filho único da produtora Lucinha Araújo e de João Araújo, executivo da gravadora Som Livre, Cazuza nasceu no Rio de Janeiro em 1958, cercado de música desde cedo. Mas não foi o sobrenome nem os contatos que o tornaram o artista que foi — e sim a inquietude, a entrega absoluta à vida e a capacidade de transformar dores e excessos em arte.
Cazuza explodiu no cenário musical brasileiro como vocalista da banda Barão Vermelho, no início da década de 1980. Com sua voz rouca, atitude provocadora e letras cortantes, deu ao rock nacional uma dose de poesia marginal e sinceridade crua. Hits como “Pro Dia Nascer Feliz”, “Bete Balanço” e “Maior Abandonado” marcaram a parceria com Roberto Frejat e projetaram o grupo no mainstream.

Em 1985, em plena efervescência do Rock in Rio, Cazuza deixou o Barão e seguiu carreira solo. A decisão era arriscada, mas revelou sua faceta mais visceral. Seus discos solo, como Exagerado, Só se for a Dois, Ideologia e Burguesia, consolidaram sua imagem de artista ousado, politizado e profundamente humano. Suas letras falavam de amor, vício, desilusão, política, liberdade — e muitas vezes tudo isso junto, numa mesma música.
Mas foi a partir de 1987 que sua vida tomou outro rumo. Diagnosticado com HIV, em uma época marcada pelo medo e estigmatização da aids, Cazuza optou por não se esconder. Mesmo debilitado, continuou compondo, se apresentando e dando entrevistas. Em 1989, lançou o disco O Tempo Não Para, gravado ao vivo já em cadeira de rodas, com aparência fragilizada, mas com uma força artística intacta.

Naquele mesmo ano, ele se tornou uma das primeiras figuras públicas brasileiras a falar abertamente sobre a infecção pelo HIV. Em um país mergulhado em desinformação e preconceito, seu gesto foi revolucionário. Cazuza transformou sua condição em bandeira e resistência.
Seus últimos dias foram acompanhados de perto pelo Brasil. Em meio à dor, ainda encontrou tempo para a poesia. Escreveu cartas, rascunhos de canções, pensamentos — fragmentos de um espírito que nunca se rendeu. Morreu cercado pela família, deixando o país em luto, mas também em reflexão.
Lucinha Araújo, sua mãe, fundaria meses depois a Sociedade Viva Cazuza, que por muitos anos ofereceu acolhimento a crianças e adolescentes vivendo com HIV/aids. O ativismo que ele inspirou segue pulsando em ações sociais, em campanhas de saúde pública e, principalmente, no imaginário coletivo.
Hoje, passados 35 anos, Cazuza continua vivo em cada verso, em cada música que desafia, em cada jovem que recusa padrões. Sua irreverência, coragem e sensibilidade transformaram a dor em arte e fizeram da vida — mesmo breve — um espetáculo de intensidade e entrega.
Cazuza não foi apenas um cantor ou um poeta. Foi um símbolo de uma época, um corpo em chamas que se recusou a aceitar o silêncio. E, como ele mesmo disse: “O tempo não para”, mas sua arte também não.
Agência AIDS