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Assassinato em Manaus expõe violência LGBTfóbica e crise na saúde mental da comunidade

Genilson Coutinho,
11/07/2025 | 21h07
Imagem de Freepik

O assassinato brutal de Fernando, jovem espancado até a morte em Manaus sob suspeita de homofobia, não é um caso isolado. É sintoma de um país onde amar e existir podem significar risco de morte, e onde o impacto psicológico da violência LGBTfóbica atinge não apenas as vítimas diretas, mas toda a diversidade de pessoas LGBTQIA+ que vivem sob alerta constante.

Dados recém-divulgados pelo Grupo Gay da Bahia revelam que 291 pessoas LGBTQIA+ foram mortas de forma violenta no Brasil em 2024, incluindo 273 homicídios e 18 suicídios relacionados à LGBTfobia. O Brasil segue ocupando a primeira posição no ranking mundial de assassinatos dessa população pelo 15º ano consecutivo. Somente pessoas trans representaram 105 dessas vítimas, evidenciando a extrema vulnerabilidade desse grupo.

A violência, porém, vai além dos casos fatais. Um levantamento realizado pela Universidade de São Paulo em parceria com a Fiocruz aponta que 61% das pessoas LGBTQIA+ já foram alvo de algum tipo de violência motivada por orientação sexual ou identidade de gênero, seja física, psicológica ou simbólica. O impacto na saúde mental é profundo, com 72% relatando sintomas de ansiedade e 58% apresentando quadros de depressão.

“Casos como esses não começa no golpe. Começa num olhar atravessado, numa piada homofóbica, num comentário solto em família, num silêncio que consente. Viver sob ameaça constante cria um estado de alerta que nunca se desliga. É como se essas pessoas precisassem estar sempre prontas para o pior. Isso vai corroendo aos poucos, impacta profundamente a saúde mental, provoca ansiedade, medo crônico, depressão e, muitas vezes, pensamentos suicidas. Nenhuma pessoa deveria ser obrigada a viver sob ataque emocional e físico”, afirma Ana Lisboa, psicanalista que acompanha de perto as consequências emocionais dessa violência.

O Ministério da Saúde alerta que pessoas LGBTQIA+ têm quatro vezes mais chances de tentar suicídio do que a população heterossexual. Em 2024, dezoito suicídios foram diretamente associados à LGBTfobia, segundo o GGB.

“Sabe o que sinto toda vez que leio uma notícia como essa do Fernando? Sinto que poderia ser comigo. Poderia ser um amigo meu. A gente sai de casa querendo viver, trabalhar, se divertir, mas nunca relaxa de verdade. Está sempre alerta, calculando onde pode dar a mão para alguém, onde pode falar sobre quem ama, onde pode ser quem é sem medo. E isso destrói a saúde mental da gente. A gente finge que está tudo bem, que é só mais um dia, mas o corpo sente, a cabeça pesa, a alma adoece. Num mundo onde tanta gente ainda pratica a exclusão ou é ensinada a excluir, o que a gente mais precisa é de integração. Porque, muito antes de ser sobre sexualidade, isso é sobre humanidade. É sobre pessoas que têm dor, história, sonhos e o direito de existir em paz”, enfatiza Guilherme Gozo, comunicador que vivencia diariamente essa tensão.

Para ele, chamar isso apenas de diversidade é insuficiente. “Não é só sobre diversidade. É sobre humanidade, sobre saúde mental, sobre respeito. Enquanto isso não for realidade para todos, nenhuma notícia como a do Fernando pode ser tratada como algo isolado. Porque cada vez que um de nós cai, todos nós sentimos”, completa.

Além dos assassinatos, 32% das mortes violentas ocorreram dentro de residências, e 36% em vias públicas ou espaços comunitários. Armas brancas foram usadas em 22% dos casos, armas de fogo em 21,6%, segundo o GGB. Foram registrados também episódios de extrema violência, com agressões físicas e homicídios de natureza brutal.

Enquanto o Brasil não enfrentar a LGBTfobia de forma estrutural, cada caso continuará sendo não apenas uma tragédia individual, mas um alerta sobre o risco de morte que paira sobre toda a comunidade LGBTQIA+.

Ana Lisboa destaca que é urgente romper esse ciclo de violência e adoecimento coletivo. “A sociedade precisa parar de olhar para essa dor como se fosse exceção e enxergar o que esses casos revelam. Vivemos em um ambiente que adoece quem é alvo de agressões, quem vive com medo e quem aprende a odiar. Só o respeito e a integração podem quebrar esse ciclo”, finaliza.

Ana Lisboa @analisboa

Psicanalista, professora e CEO do Grupo Altis, Ana Lisboa é referência em saúde mental feminina, liderança com propósito e terapias sistêmicas. Fundadora da UniAltis, universidade reconhecida pelo MEC e dedicada à saúde emocional nas empresas, já impactou mais de 100 mil alunas em 72 países. Advogada, mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Autónoma de Lisboa, pós-graduada em Neurociências, Psicologia Positiva, Direito do Trabalho e especialista em Terapia de Casais. Lidera o Movimento Feminino Moderno, maior comunidade de transformação emocional para mulheres.