A trajetória de mulheres que vivem com HIV: Conheça as histórias de Renata Souza e Emilia Ferreira, do MNCP

O avanço da terapia antirretroviral nos últimos 33 anos transformou as condições de saúde das pessoas vivendo com HIV e aids. Nos dias atuais, a maioria dessas pessoas, com a infecção bem controlada, têm uma expectativa de vida semelhante à das pessoas negativas para o HIV; ou seja, muito mais pessoas estão envelhecendo com o HIV. Para as mulheres, essa realidade impõe diversos desafios. A sobrecarga com atividades domésticas e as responsabilidades de cuidado com a família são alguns dos principais desafios, principalmente em culturas onde há a ideia de que esses trabalhos não remunerados são inerentes ao gênero feminino. No campo da saúde, elas enfrentam, por exemplo, a sexualidades, os direitos sexuais e reprodutivos, a menopausa precoce e a falta de pesquisas que contemplem as especificidades desta população.
A ignorância dos que ainda associam o HIV e a aids à promiscuidade também faz com que as mulheres se escondam, com medo de ser julgadas. Isolada e solitária, a mulher HIV+ vive a face mais cruel da doença: o preconceito.
Na contramão desta realidade, a Agência Aids traz neste mês da mulher histórias de mulheres com HIV que lutam incansavelmente por direitos, qualidade de vida e para empoderar outras mulheres. Conheça Renata Souza e Emilia Ferreira, ativistas do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP). Elas vivem com HIV há mais de 20 anos e dizem que foi no MNCP que encontraram forças para ajudar outras mulheres.
Trajetória e os desafios de viver com HIV

“No começo foi difícil descobrir o diagnóstico, mas a gente vai aprendendo a lidar. O movimento social foi de suma importância, ver outras possibilidades foi um divisor de águas na minha vida, estar entre pares e reconhecer que o HIV é uma condição e não uma vida é importante”, disse Renata Souza, que vive em Presidente Prudente, interior de São Paulo.
Em relação a qualidade de vida, a ativista Renata contou que tem se dedicado aos cuidados com a saúde mental. “Fico mais tempo com a minha família, tenho procurado me aproximar das práticas integrativas do SUS e isso tem me feito muito bem.”
Para Renata, que enfrenta o HIV desde 1999, o maior desafio que já enfrentou eu sua luta diária foi o preconceito. “O estigma e o medo de morrer foram grandes desafios a serem enfrentados, vivenciamos isso durante a pandemia da covid-19, perdi duas colegas que trabalhavam comigo, e isso me assustou”.

Já Emilia enfrentou dificuldades além do diagnóstico. “Não foi nada fácil, faz 23 anos que eu vivo com HIV. Já passei por um câncer também. Nesses 23 anos, tive neurotoxoplasmose e foi difícil. Além de passar por um relacionamento abusivo”.
Um dos maiores desafios da vida de Emilia, segundo ela, foi a gravidez. Ela, que vive em Manaus, recebeu o diagnóstico positivo no pré-natal e foi desafiador. “Quando contei para o meu parceiro, ele recusou o tratamento. Enfrentar isso foi bem difícil, mas graças a Deus a minha filha não vive com HIV. Essa foi a minha primeira vitória contra o vírus.”
Procurando cuidar da saúde, a ativista relata que precisou fazer mudanças: “Uma decisão que tomei para ter uma qualidade de vida melhor foi ir para o interior, já que lá tudo é natural e saudável. Quando me mudei meu CD4 aumentou de 500 para 1.121, a infectologista viu o resultado do meu exame e me disse que a qualidade de vida tinha mesmo melhorado”, contou Emilia.
Mulheres no ativismo
Antes de mencionar a importância em fazer parte do ativismo, Renata citou o valor do tratamento para mulheres vivendo com HIV. “Eu faço o tratamento corretamente e tenho consciência de que isso me faz bem. Conhecer o MNCP contribuiu muito para que eu tivesse outras possibilidades, mas a adesão ao tratamento foi fundamental”.
Em relação ao ativismo, Renata falou que se sente realizada, “buscamos caminhos para nos fortalecer internamente, ainda temos muito trabalho a fazer, ocupar mais espaços de controle social e se aproximar mais da academia, da pesquisa para que as nossas pautas sejam ouvidas, porque acredito no coletivo.”
Emilia acrescenta: “Foi uma saída que achei, uma porta de escape. Mesmo sendo uma pessoa estudada, não tinha muita informação sobre o tema, entrei no movimento e adquiri essas informações. Hoje me tornei ativista de corpo, alma e sangue, para acolher aquelas mulheres que não sabem de nada e se desesperam com o resultado do exame, ter uma palavra amiga faz toda a diferença nessa hora”.
Emilia descreveu que se sente empoderada fazendo parte da resistência feminina. “Me sinto ótima! Estamos sempre unidas e graças a esse movimento eu aprendi muitas coisas, quando eu trago o benefício para mim enquanto mulher vivendo com HIV, trago para outras mulheres também”, disse.
Saúde da mulher HIV+

Questionadas sobre a saúde integral das mulheres vivendo com HIV, elas disseram que é preciso avançar com as políticas públicas. “Acredito que existe a intenção de ter uma linha de cuidado, mas por enquanto não temos, ainda tem muito que caminhar para que ela ocorra. Vivo em Presidente Prudente, e por aqui leva-se de 8 a 9 meses para fazer uma mamografia, temos uma fila de espera com 40 mil pessoas para realização de exames e consultas”, informou Renata.
Apesar de existir essa ausência em algumas áreas, Renata concorda que a qualidade de vida para mulheres HIV+ melhorou. “A terapia antirretroviral possibilita uma melhor qualidade de vida, mas existem outras possibilidades, precisamos nos atentar às condições de vida dessas mulheres, como a saúde mental por exemplo”.
Emilia também pensa que há muito a ser feito. “Temos lutado para isso, mas com o governo anterior tivemos retrocessos e perdemos muitas conquistas, principalmente aqui na região Norte, no Amazonas. Está tudo abandonado, é uma vergonha! Até a farmácia que distribui nossa medicação fechou, tivemos que fazer manifestações para reabrir.”
Diante desses cenários, as ativistas concordam que a saúde da mulher HIV+ é negligenciada: “Principalmente na questão dos hormônios. Quem está pensando na questão da menopausa para as mulheres que vivem com HIV? Precisamos de mais informação sobre o I=I para as mulheres que amamentam, precisamos de mais pesquisas nessas áreas”, ressaltou Renata.
“Não existe um estudo sobre os efeitos dos antirretrovirais no corpo feminino, a medicação não foi pensada para o nosso corpo, nós mulheres temos um sistema hormonal diferente. Saber que os medicamentos oferecem a longo prazo um risco e outras doenças assustam as mulheres vivendo com HIV. Nós, do MNCP, estamos contribuindo para o plano de enfrentamento com as mulheres no Governo, foram montadas algumas estratégias e agora vão ser apresentadas as ações. Uma das pautas é justamente sobre envelhecer com HIV, precisamos ter esse olhar”.

Emília considera que a saúde está muito fragilizada. “Em Manaus, muitas mulheres abandonam o tratamento por causa de barreiras, elas precisam viajar de barco e trabalhar na roça para conseguir dinheiro e pagar condução e às vezes ainda quando chegam ao local, o médico faltou, tudo isso faz com que elas queiram abandonar o tratamento.”
Na opinião de Renata, para ter uma melhora nessas áreas é preciso “ter um olhar humanizado para as condições sociais que essas mulheres vivem, além melhorar a capacitação dos profissionais.”
“No estado do Amazonas, estamos lutando por políticas públicas que passam por questões logísticas, precisamos que as orientações e informações cruzem os municípios e cheguem até as mulheres ribeirinhas, onde são mais carentes”, desabafou Emilia.
“Nós mulheres devemos nos cuidar, cuidar da sua saúde mental, e da física. Conhecer outras mulheres que passaram pela mesma condição, e cada vez mais acreditar que viver é bom e que sempre há uma saída para todos os nossos problemas, por mais difícil que seja aquele momento”, concluiu Renata.
Emilia aconselha sobre o sigilo: “você não é obrigada a contar para ninguém que vive com HIV, mas precisa tomar sua medicação direito para não adoecer. Tenham amor próprio, tomando a sua medicação e aderindo o tratamento”, finalizou.