Geração Z desacelera apoio à comunidade LGBTQIAPN+ e acende alerta para retrocessos no mercado de cultura e empreendedorismo
A Ipsos anunciou a queda alarmante de oito pontos percentuais no apoio global às marcas que promovem os direitos LGBTQIAPN+, segundo o relatório Ipsos LGBT+ Pride Report 2025. No período de quatro anos (2021 – 2025), o índice de apoiadores saiu do patamar de 49% para 41%, em uma média de 23 países. O estudo, que analisa tendências de comportamento e percepção em 26 países, reuniu a opinião de 19 mil adultos entre 16 e 74 anos, oferecendo um panorama abrangente sobre a cena internacional de apoio à diversidade.
O relatório também chama atenção para as diferenças geracionais e de gênero no apoio à causa. Em paralelo ao retrocesso mundial, a pesquisa revela que apenas 34% dos homens da Geração Z se dizem favoráveis às empresas que promovem ativamente a igualdade para pessoas LGBTQIAPN+. Entre as mulheres da mesma geração, o percentual é de 58%. A baixa adesão à diversidade entre os mais jovens vem preocupando especialistas, visto que a GenZ ocupará ¼ da força de trabalho global em 2025, segundo dados da McKinsey.
E não para por aí. O apoio às leis que proíbem a discriminação contra pessoas LGBTQIAPN+ no emprego, acesso à educação, moradia e serviços sociais também caiu, de 57% (2021) para 51%, neste ano. As consequências do atual recuo podem acarretar na redução ou descarte de iniciativas voltadas à inclusão de profissionais LGBTQIAPN+ em marcas e eventos, afetando principalmente o setor artístico.
É nesse contexto que lideranças ‘desfem’, como a baiana Marcela Silva, 39, refreiam o fenômeno internacional, à partir de um olhar sensível e experiente no setor cultural. Mulher preta e lésbica, a empresária do setor artístico é responsável por liderar eventos e produções culturais de sucesso, protagonizando frente à onda de pessimismo que permeia os direitos LGBTQIAPN+. Para a profissional, ocupações estratégicas como curadoria, gestão de projetos e tomada de decisões institucionais ainda são restritas à elite branca e heteronormativa, mas que vem passo a passo sendo ocupadas por novas lideranças.
“Os números mostram uma retração preocupante no apoio às causas LGBTQIAPN+, e isso não é um fenômeno isolado, já que reflete diretamente em quem está sentado à mesa das decisões. Quando ocupações estratégicas continuam fechadas para profissionais como eu, mulher preta, lésbica e ‘desfem’, toda essa queda de apoio se traduz em menos políticas, menos recursos e menos representatividade verdadeira. Sem essas lideranças dentro das instituições, as iniciativas culturais e as marcas perdem o potencial de transformar, ficando reféns de discursos superficiais que não mudam a vida de ninguém”, explica.
Diante desse cenário, a presença de lideranças LGBTQIAPN+ em posições de influência torna-se ainda mais necessária para reverter o retrocesso iniciado em 2025, segundo o relatório Ipsos. A tarefa é árdua. Segundo a consultoria Great Place To Work (GPTW), funcionários LGBTQIAPN+ em cargos de liderança representam apenas 8% do quadro corporativo. Em cargos de presidência, o percentual é de apenas 6%.
De acordo com Marcela, o número revela a discrepância entre o discurso de inclusão e a prática institucional, tópico abordado pelo relatório Ipsos LGBT+ Pride Report 2025. A escassez de representatividade impacta diretamente na formulação de políticas internas e externas voltadas à diversidade, resultando em ações pontuais com pouco impacto estrutural. Para a empresária, em um contexto onde o apoio popular às causas LGBTQIAPN+ cai consideravelmente, garantir que essas vozes estejam no centro das decisões corporativas e culturais é uma estratégia mercadológica lucrativa, diante da pluralidade do mundo contemporâneo.
A empresária se apoia no relatório ‘Delivering Through Diversity’, da McKinsey & Company, em que empresas com maior diversidade, em suas equipes executivas, apresentam 33% mais chances de rentabilizar. Mas não é só isso. Marcela explica que a liderança diversa deve ser a principal força motriz para abrir novas portas e oportunidades. A baiana vive isso em sua carreira, visto que tem direcionado seus projetos para promover visibilidade e renda a artistas negros, periféricos e LGBTQIAPN+, que historicamente são excluídos dos grandes circuitos culturais.
“Vejo esse cenário com muita atenção e senso de urgência. Tudo o que conquistei até aqui foi enfrentando estruturas que não foram feitas para não acolher a diversidade. Ainda assim, consegui ocupar espaços, produzir cultura e movimentar o mercado com afeto, estratégia e representatividade. Isso mostra que, quando pessoas LGBTQIAPN+, negras e periféricas lideram, o resultado é diferente, já que conhecemos as ausências por dentro. Não dá mais para aceitar que a diversidade seja só discurso. Ela precisa estar no centro das decisões, da criação à gestão “, afirma.
Com uma trajetória consolidada no desenvolvimento de projetos culturais, Marcela se tornou uma das principais referências da cena baiana. Desde 2019, sua carreira está entrelaçada ao Salvador Black Film Festival, a Virada Salvador e o Palco Origens. A profissional também atuou como A&R da distribuidora digital Musequal, gerenciou a carreira da cantora Melly até 2022 e atuou com artistas como Nêssa, Felipe Barros, Duquesa, DJ Gabi da Oxe e Cronista do Morro, além de atualmente trabalhar com Cinara, Zai e a banda Sambaiana. Toda essa experiência deu origem à criação da ‘Festa Preciosa’, idealizada para valorizar as vivências lésbicas e bissexuais por meio da arte, música e da construção de comunidade.
Segundo Marcela, a Festa Preciosa é mais do que uma celebração. “É um movimento que valoriza a liberdade de ser, amar e criar. Nascida no coração da Bahia e pulsando no ritmo da cultura lésbica e bissexual brasileira, a Preciosa reúne música, moda, arte, vivências e protagonismo feminino em um espaço plural, afetivo e politicamente potente. Criada em 2022, durante o Mês da Visibilidade Lésbica, a Preciosa se consolidou como um dos eventos mais relevantes da cena LGBTQIAPN+ baiana. Em 2026, deve dar um passo ousado e se transformar oficialmente em Festival Preciosa, ampliando sua proposta com programação multicultural, ações educativas e impacto social em larga escala”, afirma.
Esse avanço, segundo a empresária, é também uma resposta direta ao esvaziamento do compromisso institucional com a diversidade. “A gente vem assistindo a uma retração global no apoio à comunidade LGBTQIAPN+, mas isso não pode nos paralisar. Pelo contrário, me instiga a criar espaços onde nossos corpos não só existem, mas lideram e decidem. Com a Preciosa, não só ocupamos, como ditamos o ritmo. E isso é reflexo de todo o trabalho que venho construindo, desde o palco Origens até aqui, que rompeu com a lógica elitista dos grandes eventos. Cada projeto que lidero, eu carrego um compromisso de devolver à arte o seu papel transformador e estruturante, não como vitrine, mas como ferramenta de poder”, conclui.
