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Marina Lima: uma voz necessária na MPB para a comunidade LGBTQIAPN+

Carlos Leal,
09/06/2025 | 12h06
Foto: Divulgação/Marina Novelli

A cantora Marina Lima aterrissa em Salvador no próximo dia 15 para apresentar seu show Rota 69 na Concha Acústica do Teatro Castro Alves (TCA), um show comemorativo que promete reunir grandes sucessos da artista. É inegável que Marina Lima faz toda a diferença na música do nosso país. Desde o lançamento de seu primeiro álbum, “Simples como Fogo”, em 1979, ela acumula sucessos como “Fullgás”, “O chamado”, “À Francesa”, “Charme do Mundo” e “Mesmo Que Seja Eu”. Mas, além de uma coleção de hits, Marina se destaca como uma compositora de sensibilidade ímpar e um olhar único, expressando emoções e lutas, muitas vezes com um toque de ousadia que marcou sua carreira e impactou profundamente a comunidade LGBTQIAPN+.
Desde o início, a artista demonstrou uma coragem lírica. Em “Mesmo Que Seja Eu” (Roberto e Erasmo Carlos), lançada no álbum “Fullgás” (1984), a frase “você precisa de um homem pra chamar de seu, mesmo que esse homem seja eu” já demonstrava uma quebra de expectativas para a época, com Marina “tirando de letra” a ousadia da música em sua interpretação. Foi tão forte que até hoje, mesmo tendo sido gravada também por um dos seus autores, Erasmo Carlos, é a gravação de Marina que está em nosso imaginário.
Em 1991, o álbum “Marina Lima” trouxe a emblemática “Não Estou Bem Certa” (Pedro Pimentel, Marina Lima e Terence Trent D’Arby). Essa canção representa uma verdadeira quebra de paradigmas e um marco de representatividade. Versos como “Será que você será a dama que me completa? Será que você será o homem que me desperta?” e “Procurar Ricardos em Solanges nunca me fez mal” expressam uma dualidade e uma abertura para diferentes formas de amor e atração.
Ao questionar a natureza do parceiro (“dama” ou “homem”) e afirmar a liberdade de “procurar Ricardos em Solanges”, a música reflete a bissexualidade e a pansexualidade, algo pouco explorado tão explicitamente na música popular brasileira da época. Isso ofereceu identificação e validação para indivíduos que não se encaixam em padrões heteronormativos ou que estavam descobrindo sua própria sexualidade.
Em 1998, com o álbum “Pierrot do Brasil”, Marina Lima trouxe a provocativa “Na Minha Mão” (Marina Lima e Alvin L). A frase “Se todo mundo é mesmo gay / O mundo está em minhas mãos” marcou um retorno triunfal da carreira da artista, que havia dado uma pausa por conta de tratamento de saúde. Este álbum, com arranjos primorosos, é considerado um dos melhores de sua trajetória, mesmo sem grandes repercussões midiáticas. O lançamento do disco ocorreu um ano antes de Marina posar para a Revista Playboy, com fotos de extremo bom gosto de Murillo Meirelles e texto de Fernanda Young, consolidando ainda mais sua imagem de liberdade e autenticidade.
“Anna Bella, minha flor
Que desabrocha no meu olhar
No meio da multidão
Vou te buscar, te encontrar”
A música “Anna Bella” (Antônio Cícero e Marina Lima), lançada no álbum “Lá Nos Primórdios” em 2006, possui uma importância simbólica significativa para a comunidade LGBTQIA+, mesmo que essa não tenha sido explicitamente a intenção da artista em seu lançamento. O uso de um nome feminino (“Anna Bella”) em uma canção interpretada por uma mulher gera uma quebra de expectativa, levando o ouvinte a se perguntar: seria um amor homoafetivo? Essa ambiguidade permitiu que pessoas LGBTQIAPN+ se identificassem com a narrativa, encontrando ressonância em sua própria experiência.


Para muitos na comunidade, músicas como “Anna Bella” serviram como um espaço seguro para se imaginar, sentir e existir fora do armário, mesmo que por alguns minutos. Assim como aconteceu com canções de Cazuza, Ney Matogrosso, Rita Lee e Lulu Santos, a comunidade LGBTQIAPN+ muitas vezes adota certas músicas como hinos simbólicos, mesmo que não tenham sido escritos com esse propósito original. “Anna Bella” ganhou essa leitura por conta de seu lirismo, da identidade da cantora e da forma como a música se conecta com a experiência do amor e do desejo.
“Anna Bella” assume papel importante para a comunidade LGBTQIA+ por ser uma canção que permite interpretações fora do padrão heteronormativo, oferece espaço de identificação e carrega a voz de uma artista que consistentemente desafia rótulos e normas sociais.
Viva Marina Lima!