Cinema

Notícias

Movimentar a cena cultural lésbica e sapatão da cidade, esse é o objetivo da artista Mariana Passos

Genilson Coutinho,
15/08/2024 | 20h08

Utilizar múltiplas linguagens artísticas para viabilizar e ampliar as discussões sobre as temáticas lésbica, sapatão e trans tem sido a grande ocupação da atriz, roteirista e produtora Mariana Passos. A ausência de referências marcantes e sem estereótipos foi um dos principais motivadores que impulsionaram a artista na elaboração de projetos sáficos multilinguagens que incluem podcast, livro, cineclube, animação e uma peça teatral em estudo.

No dia 29 de agosto, Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, Mariana vai lançar, na Saladearte Cinema do Museu, no Corredor da Vitória, em Salvador, a segunda temporada do videocast Furta-Cor. O produto audiovisual é feito em parceria com a artista plástica e mothion graphic designer Thiene Magalhães e com Elinaldo Nascimento, diretor e editor de som com ampla experiência em música, cinema e teatro. O projeto conta ainda com apoio financeiro de edital da Paulo Gustavo Bahia, executado pela Secretaria de Cultura da Bahia. 

Conforme a atriz e produtora, os projetos artísticos buscam atender a crescente demanda por mais representatividade e diversidade nos produtos culturais, vindo tanto de grupos marginalizados quanto de parcelas da sociedade que anseiam por narrativas mais plurais e empáticas. “A virada de chave veio após assistir ao filme ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’, fiquei impactada e em silêncio tamanha a repercussão que a essa obra de arte teve na minha vida. Um tempo depois, ouvi um colega falar que a crítica não recebeu bem o filme, a partir da daí comecei a elaborar argumentos para defender a obra. E assim comecei a ficar mais ativa e a construir uma curadoria dos filmes, e nasceram os outros projetos voltados para a cultura da comunidade”, detalha. 

Este projeto foi contemplado nos Editais da Paulo Gustavo Bahia e tem apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura via Lei Paulo Gustavo, direcionada pelo Ministério da Cultura, Governo Federal. Paulo Gustavo Bahia (PGBA) foi criada para a efetivação das ações emergenciais de apoio ao setor cultural, visando cumprir a Lei Complementar nº 195, de 8 de julho de 2022.”

Representação e representatividade 

O começo da trajetória, porém, foi sem pretensões criativas. Com tempo livre, logo após a conclusão do curso de Artes Cênicas, na Ufba, a artista se dedicou a assistir filmes e séries, mas depois de um tempo se viu cansada da narrativa heteronormativa e passou a buscar histórias sapatonas. Mas, em 2018, depois de entrar na bolha sáfica do twitter, começou a ter acesso a drives e sites de filmes e séries de protagonismo sapatão, e resolveu mergulhar na cultura audiovisual sapatona, porém ainda com dificuldade em achar referências e conteúdos analíticos. “Nessa jornada, acabei por ter acesso a muitos filmes e séries alternativas e de vários lugares do globo, algumas mainstream, muitas outras nem tanto, e percebi que a comunidade conhece pouco das suas obras, principalmente as mais à margem, e encontrei muita dificuldade de conversar e trocar sobre as experiências e reflexões que tais obras provocaram, bem como possíveis atravessamentos causados na comunidade”, aponta. 

Cinéfila convicta, foram anos assistindo pelo menos um filme por dia ou por semana, até que uma amiga a provocou a desaguar todas essas reflexões adquiridas. A primeira ideia foi escrever um livro (que será lançado em breve), depois surgiu a ideia do cineclube, podcast Furta-cor e mais recentemente do vídeocast animado. 

A primeira temporada do podcast foi em 2023, e o conteúdo está disponível gratuitamente no Spotify e no YouTube. Em agosto do mesmo ano, Mariana convocou a comunidade lésbica e sapatão a se reunir durante as sessões regulares e montou o cineclube Furta-cor. Os encontros acontecem na Saladearte Cinema do Museu, de lá para cá já foram 20 filmes sapatões exibidos, entre eles Carol, I can’t think straight e Quando a Cai a Noite. Em 2024 foram contemplados pela Paulo Gustavo no apoio a CIneclubes e lançaram o Cine FurTransCor, cineclube exclusivo de temática trans, de curadoria de Pê Copioba.

Visibilidade Lésbica 

Considerado o mês da Visibilidade Lésbica, agosto tem duas datas marcantes para a comunidade. O Dia do Orgulho Lésbico é celebrado no dia 19  em referência ao levante do Ferro’s Bar, após episódio de homofobia no local que era ponto de encontro da comunidade lésbica na cidade de São Paulo. Já no dia 29, é comemorado o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, a data é uma referência a primeira edição do 1º Seminário Nacional de Lésbicas (Senale) – agora Senalesbi. 

Para Mariana, o Mês da Visibilidade Lésbica ainda não é tão conhecido como o orgulho LGBT (em junho), por exemplo, e do ponto de vista comercial e artístico ainda há muito espaço para se conquistar. “Por isso, é importante a gente falar sobre essas datas e visibilizar as nossas lutas, pautas e questões. O Brasil sempre foi um país de sapatonas, vide a velha guarda da MPB, mas isso não era falado, até para cantar as músicas isso era ocultado. É importante falar da arte sapatona, e explicar as identidades incluídas nesse bojo, como a identidade sapatão, que por muito tempo foi tratada como demérito. No cine Furta-cor, entendemos a identidade sapatona como um guarda-chuva para a sapatonice lésbica, bissexual, pansexual, transexual, transmasculine e etc. O que queremos é virar o jogo e tratar como algo a se orgulhar”, reflete.