LEMBRA DE MIM?
Por Padre Alfredo
Em respeito aos meus 68 anos, as pessoas já deveriam vir falar comigo com um crachá de identificação bem à vista e com letras garrafais.
Mas há gente sem noção que ainda insiste em perguntar: “- lembra de mim?” E ante o meu curto e grosso “não”, gozam em prorrogar a sessão tortura: “- não lembra? Não acredito! Esqueceu de mim?…”
Para adiantar a conversa sugiro como quem ordena: “- diga logo para avançarmos ou não na conversa!” Aí rola até chantagem emocional: “- estou me sentindo um nada! Você não lembra mais de mim…”
Sem tempo para mais mi mi mi, deixo para trás o ambiente, o papo e a pecha de mal educado.
A situação antes descrita já aconteceu com todo mundo, pelo menos uma vez: nos encontramos diante de uma pessoa, sabemos perfeitamente quem é, mas não há vestígios de seu nome em nossa memória. Tábua rasa. Queda de energia. E é então que muita gente utiliza os estratagemas mais espirituosos para tentar contornar o obstáculo, não sem evidente constrangimento, dirigindo-se ao interlocutor com diversos modos e artifícios: “bom dia professor”; “como vão todos?”; “você não mudou nada”…
Esquecer (momentaneamente) o nome das pessoas não é um fato tão incomum e nem mesmo preocupante. É um fenômeno que se enquadra no envelhecimento fisiológico e normal do nosso cérebro. Com o passar dos anos os neurônios diminuem e a memória em geral falha. Se os neurônios caem especialmente em uma área que é o centro da memória dos nomes, aí está a dificuldade de lembrá-los de imediato.
Os especialistas denominam tal fenômeno de “anomia” e explicam que não é um sintoma alarmante. Não significa que seja a antessala de uma patologia grave como o Alzheimer. Não é uma doença! O fenômeno vai se acentuando com o avançar da idade. Em que pese que lapsos de memória costumam ocorrer também em pessoas jovens.
Tal qual o físico, também a memória se beneficia quando exercitada, seja estudando, lendo ou praticando jogos que a ajudem especificamente. O importante é não ficar obcecado com esses pequenos vazamentos de memória, pois, sem ser muito frequente, é algo comum e não precisamos nos alarmar pensando que pode ser algo mais sério.
Oxalá o entorno nos seja favorável, sem cobranças desnecessárias. Mais que exigir lembrança imediata de nomes e fatos, quem interage com uma pessoa de maior idade, deve acompanhar pacientemente com ela o rememorar de fatos e situações passadas, que incluem citações de nomes de pessoas, lugares e até datas. Recordar é viver!
Faz parte condição humana esquecer nomes. Não apenas o nome de qualquer pessoa, mas muitas vezes os nomes de pessoas que conhecemos de longas datas e até mesmo olvidar os nomes de entes queridos. O constrangimento e a preocupação que se seguem ao fato são amplamente compreensíveis. Tal experiência se insere dentro da mais absoluta normalidade e não denota qualquer limite cognitivo ou patologia. Esquecer o nome das pessoas é algo recorrente, perfeitamente compreensível e comum com o avançar da idade.
Quando você esquecer o nome de uma pessoa, não entre em pânico, nem ceda às pressões que eventualmente possam vir dos interlocutores. Isso é algo que acontece com todo mundo. Assuma o deslise e pergunte novamente o nome e as referências que possam avivar a sua memória, num processo fraterno de reconstituição coletiva.
* Padre Alfredo Dorea (@padre.alfredo) é um anglicano amante da vida, da solidariedade e da justiça social. Com os movimentos populares, busca superar todo preconceito e discriminação. Gosta de escrever e se comunicar.
Do Portal PNotícias