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O que causa câncer de garganta é o HPV, não o sexo oral

Genilson Coutinho,
10/05/2023 | 23h05

“O que causa câncer de orofaringe é o HPV, não o sexo oral.” A frase é do infectologista Vinícius Borges, que faz um trabalho de conscientização em saúde nas redes sociais com o nome de “Doutor Maravilha”.

Na semana passada, a relação entre sexo oral e câncer de orofaringe (garganta) apareceu entre os principais assuntos nas redes. Muita gente desconhecia que o papilomavírus humano (HPV) é um dos fatores de risco para esse tipo de câncer, e se assustou ao tomar conhecimento do fato.

Borges não fez a observação por preciosismo ou implicância. Quem trabalha com saúde sabe, ou deveria saber, que estigmatizar práticas sexuais só reforça o preconceito e favorece a desinformação. Em resumo, aumenta a vulnerabilidade de indivíduos que adotam a prática sexual e também dos que não a adotam, ao gerar uma falsa sensação de segurança.

Isso ocorreu no início da pandemia de HIV/aids, na década de 1980. O estigma associado ao vírus fez com que homens que faziam sexo com homens fugissem dos serviços de saúde, onde poderiam aprender sobre prevenção e fazer exames para o diagnóstico precoce; permitiu que as mulheres, que se achavam seguras, se infectassem; criou uma série de preconceitos e violências contra haitianos, por associá-los à infecção.

É comum associarmos o HPV ao câncer de colo de útero. De fato, o vírus, que é transmitido sexualmente, é responsável por 70% dos casos de câncer cervical, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca). O que pouca gente sabe é que esse vírus pode ser prevenido por meio da vacinação. É isso que deve ser comunicado com clareza.

Os cânceres de orofaringe foram, durante muito tempo, associados ao tabagismo e ao consumo excessivo de álcool, mas hoje há estudos que demonstram que o HPV está diretamente relacionado a alguns tipos desse câncer.

O tipo 16 do HPV é o principal responsável por esse tipo de tumor, de acordo com o CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos)

Segundo pesquisadores da Cleveland Clinic, um dos principais centros de tratamento e pesquisa em câncer do mundo e localizado também nos EUA, mulheres têm menos risco de ter esse câncer porque a maioria já entrou em contato com o HPV por via sexual e desenvolveu resposta imunológica a ele.

O cigarro também aumenta o risco desse tipo de câncer, em especial para quem fuma ao menos um maço de cigarro por dia por dez anos.

Outro fator de risco é o consumo abusivo de álcool. A OMS (Organização Mundial da Saúde) considera uso abusivo de álcool o consumo de mais de 60 g ou mais de etanol em uma única ocasião dentro de 30 dias. Um copo de 330 ml de cerveja, uma taça de 100 ml de vinho e 30 ml destilado têm entre 10 g e 12 g de álcool.

Veja os cinco modos de ajudar a diminuir o risco de câncer de orofaringe relacionado ao HPV, segundo a Cleveland Clinic:

1. Limite o número de parceiros sexuais. Ao praticar sexo oral, use camisinha ou uma espécie de barreira bucal feita de látex, usada nos consultórios odontológicos, conhecida como dental dam.

2. Vacine crianças e adultos jovens contra o HPV.

3. Faça o rastreamento do câncer. Por meio de exames simples, como palpar o pescoço e examinar a boca e a garganta, o médico pode detectar o câncer cedo, o que aumenta muito a chance de cura.

4. Consulte um dentista regularmente. Os dentistas costumam ser os primeiros profissionais a notar anormalidades na língua e nas amídalas.

5. Pare de fumar e reduza o consumo de álcool.

Sintomas mais comuns de câncer de garganta relacionado ao HPV

Não é fácil detectar o câncer de orofaringe relacionado ao HPV. Se você apresentar algum destes sintomas por mais de duas semanas, procure um clínico geral ou um otorrinolaringologista.

  • Massa ou edema (inchaço) no pescoço;
  • Dor de ouvido;
  • Dor ao engolir (como se houvesse algo preso no fundo da garganta);
  • Ronco que surge repentinamente e não está associado a nenhuma causa, como ganho de peso;
  • Dificuldade para comer;
  • Mudança na voz (rouquidão);
  • Dor de garganta;
  • Linfonodos (gânglios) aumentados;
  • Perda de peso sem motivo aparente.

Doença demora para se desenvolver, mas se espalha com rapidez

Por causas desconhecidas, os cânceres relacionados ao HPV se espalham com rapidez para os linfonodos. Graças à resposta imunológica do organismo, quando o tumor atinge os gânglios linfáticos, ocorre uma edema perceptível no pescoço. Assim, o primeiro sinal desse tipo de câncer costuma ser o aumento dos linfonodos,. Em geral, esses tumores já são diagnosticados em estágios avançados.

Um câncer de orofaringe relacionado ao HPV pode levar até 30 anos para aparecer, por isso é mais comum em adultos entre os 40 e 60 anos. No entanto, de acordo com dados do Inca, os cânceres de cavidade oral e orofaríngeo estão entre os dez tipos de maior incidência em homens brasileiros. E, mesmo que o cigarro e o álcool ainda sejam suas principais causas, o HPV tem a capacidade de causar câncer em menos tempo, o que pode justificar o aumento, apontado por especialistas do mundo todo, desse tipo de tumor em homens com menos de 40 anos.

No geral, o câncer de orofaringe responde bem à cirurgia e radioterapia. As taxas de sobrevida livre da doença por cinco anos, ou seja, a porcentagem de pessoas diagnosticadas com o câncer que vivem ao menos cinco anos sem a doença, variam de 90% a 95%.

Vacina contra o HPV

A vacina quadrivalente, que protege exatamente contra os quatro tipos mais comuns do vírus, incluindo o tipo 16, principal responsável pelo câncer de orofaringe relacionado ao HPV, está disponível em duas doses, que devem ser tomadas com intervalo de seis meses, gratuitamente pelo SUS para:

  • Meninas e meninos de 9 a 14 anos;
  • Pessoas imunossuprimidas, como pacientes com HIV/aids, em tratamento oncológico e transplantados também podem tomar a vacina gratuitamente. Nesse caso, o esquema é de três doses, e podem receber a vacina mulheres imunossuprimidas até os 45 anos de idade e homens imunossuprimidos até 26 anos. Esses pacientes precisam apresentar prescrição médica para a vacina.

Em clínicas particulares, a vacina quadrivalente é disponibilizada para:

  • Meninas e mulheres de 9 a 45 anos;
  • Meninos e homens de 9 a 26 anos.

Embora a vacina seja mais eficaz antes do início da vida sexual, a bióloga Luísa Lina Villa, uma das maiores especialistas em HPV do mundo, disse, em entrevista ao Portal Drauzio, que adultos também se beneficiam da vacina. No entanto, pessoas acima de 15 anos devem tomar três doses da vacina, e não apenas duas.

Embora haja boatos envolvendo a vacina, ela é extremamente segura e vem ajudando a reduzir cânceres de colo de útero nos países com taxas altas de vacinação, e pode ser uma grande aliada na prevenção do câncer de orofaringe.

“A vacina é extremamente segura e protege contra os 4 tipos de vírus mais prevalentes. É fundamental que meninas e meninos sejam vacinados antes de iniciar a vida sexual, para evitar a disseminação do HPV”, explica o dr. Esper Kallás, médico infectologista e professor da Faculdade de Medicina da USP.

Fonte: Mariana Varella/ UOL