CTA da Cidade aposta em humanização e abordagem entre pares para diminuir os casos de HIV entre pessoas trans e profissionais do sexo
Na última semana, o CTA da Cidade, unidade itinerante da Coordenadoria Municipal de IST/Aids de São Paulo, estacionou o ônibus-consultório na Barra Funda, zona oeste de São Paulo, para ofertar testes de HIV e outras ISTs (infecções sexualmente transmissíveis). A ação na região, conhecida pela grande circulação de meninas trans e profissionais do sexo, aconteceu com o objetivo de diminuir barreiras de acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS) entre a população mais vulnerável ao HIV e outras ISTs.
A Agência Aids acompanhou a ação de campo e conversou com as pessoas que circulavam pelo local. Uma dela foi a Sophia Souza, de 23 anos. Ela é uma mulher trans, profissional do sexo e contou que aproveitou a ação da prefeitura para atualizar seus exames. “O pessoal aqui é maravilhoso, sempre me tratam bem. Gosto de me testar para saber como está a minha saúde. Eu comecei a fazer uso da PEP e depois aderi à PrEP, foi tranquilo. No dia a dia eu recomendo que as meninas também venham se testar e falo para elas que se tiverem alguma coisa para tratar, que se tratem. Temos sempre que nos cuidar porque a vida é uma só.”
Sophia disse ainda que não abre mão da prevenção. “Falo da importância de usar camisinha, sei que já temos outras formas de prevenção, mas estímulo bastante o preservativo. Eu mesma sempre faço meus programas com camisinha e combino com o gel lubrificante. Já me pediram para fazer sexo sem camisinha, converso com os clientes e geralmente eles entendem”.
O CTA
Além da testagem, o CTA da Cidade oferece todos os outros serviços existentes nas outras unidades fixas da Rede Municipal Especializada. A unidade itinerante conta com áreas de triagem, espera e coleta de exames, laboratório próprio, testagem rápida para HIV, hepatites B e C, além de teste diagnóstico para sífilis, com aplicação de medicamento em caso de resultado positivo.
Quem vai até a unidade móvel pode também realizar exames para clamídia e gonorreia, iniciar as profilaxias pré e pós-exposição (PrEP e PEP) ao HIV e retirar a primeira terapia antirretroviral, no caso dos usuários que testarem positivo para o HIV. Para estas pessoas, a equipe passa ainda orientações e realiza exames recomendados pelos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas (PCDT), além de, se necessário, realizar encaminhamentos aos serviços da RME em IST/Aids para seguimento ambulatorial.
As camisinhas externas e internas, gel lubrificante e kits de auto teste para HIV, que permitem que as pessoas façam o teste em casa, também estão disponíveis para o usuário do CTA da Cidade.
As ações acontecem toda semana, em locais diversos, sempre entre quinta-feira e sábado. Entre novembro de 2021 e dezembro de 2022, foram realizados quase 2 mil atendimentos. Além disso, 400 pessoas se cadastraram nesta unidade para receber a PrEP.
Barra Funda
A região que a equipe interdisciplinar articulou suas atividades na última semana é conhecida por ser uma área de forte prostituição trans. Em entrevista à Agência Aids, a gerente do CTA da Cidade, Josi de Freitas, contou que geralmente as ações na Barra Funda são focadas em populações-chave para o HIV. “Nossa missão é identificar os locais e pessoas vulneráveis. Mapeamos o território onde essas populações circulam e definimos estrategicamente um local para a ação, sem que o nosso trabalho atrapalhe o delas.”
“Nós trabalhamos junto com os agentes de prevenção da rede municipal especializada que já conhecem o campo. Nossos agentes fazem a abordagem enquanto acontecem as atividades”, completou.
Todos os exames, segundo Josi, são realizados com sigilo. “A gente vai ganhando a confiança das pessoas e isso não é só nos lugares que prostituição, mas nos demais bairros também”.
Diferencial
Josi de Freitas ainda dividiu que o serviço móvel tem alguns diferenciais. “Fazemos exame de creatinina para quem deseja fazer uso da PrEP. É preciso ter a garantia que a pessoa está iniciando a medicação com segurança. Por isso, fazemos um exame rápido de creatinina que fica pronto em 30 segundos e acusa a função renal do paciente. Assim, a gente descobre se conseguimos fornecer a PrEP com segurança.”
Ainda segundo a gerente do CTA da Cidade, outro diferencial do serviço é a realização do exame RPR quando a sífilis é detectada. “Com este exame conseguimos identificar se é uma sífilis ativa ou uma cicatriz que de repente a pessoa já tratou. Em caso de diagnóstico de sífilis ativa, já aplicamos no mesmo dia as primeiras doses do tratamento. Em uma unidade tradicional é algo que demoraria muito mais.”
“Percebemos que muitas meninas até têm informação, sabem que existem a PEP e a PrEP, mas têm dificuldades de aderir. Priorizamos um trabalho humanizado. Somos em oito profissionais bastante especializados e treinados para lidar com as situações, mas as reações são diversas, tivemos situações muito difíceis, mas todas foram resolvidas”, disse.
Acompanhamento de pacientes
Perguntada sobre as estratégias para retenção do paciente que testou positivo para o HIV, Josi compartilhou que a coordenadoria da capital conta com diferentes canais de comunicação, incluindo um WhatsApp institucional. “Adicionamos imediatamente a pessoa no WhatsApp institucional e deixamos recados perguntando se tomou os remédios, se têm dúvidas ou interesse em conversar com a nossa médica. Eventualmente acontecem perdas de contato, algumas pessoas nem querem dar número de telefone. São raros os casos, mas acontece. Temos uma taxa alta de adesão à terapia antirretroviral.”
Conversamos também com a Dra. Tatiane Pavan, médica do CTA da Cidade. Ela reiterou o cuidado que a equipe médica tem para com os pacientes que testam positivo para alguma IST, principalmente para o HIV. “Normalmente quem faz o primeiro contato é o enfermeiro, que realiza o pré-acolhimento, encaminha para as devidas coletas e uma vez dando resultado positivo, o mesmo profissional faz o segundo contato para o teste confirmatório e já vai conversando com a pessoa e a preparando”.
Linguagem acessível
“O nosso ônibus foi pensado para pessoas que não têm entendimento sobre os termos técnicos, usamos linguagem simples e acessível para que a gente aproxime as meninas do serviço. Percebemos que sempre que vamos em um campo novo, o primeiro dia é mais tímido, mas depois as meninas vão pegando confiança e vão chegando mais.”
Segundo a doutora, o público tem predominância de perfil racial. Segundo Tatiana, a maioria das meninas atendidas são pretas e pardas.
Agentes de prevenção
Na Barra Funda, as agentes de prevenção e redutoras de danos Millena Wanzeller e Bianca Lagos ficaram com a missão de convidar as meninas trans para a ação.
“Trazer o ônibus para cá é trazer o serviço para perto das pessoas. Muitas meninas precisam descansar no dia seguinte do trabalho, comer, limpar casa, viver. Elas não conseguem ir até um CTA físico”, disse Milena. “A gente simplifica a linguagem, já chegamos nela comentando sobre a noite, como está o movimento de clientes…”
Bianca concordou e complementou a fala de sua colega: “Muitas têm um certo receio de ir até uma UBS ou a um SAE. O serviço móvel vai levar prevenção até seus locais de trabalho e vai quebrar o preconceito de muitas em relação a saúde. Além disso, no lugar onde estamos é um local de prostituição, e a gente já teve essa vivência, então entendemos como funcionam as coisas, conhecemos as ruas que elas se concentram, porque há várias ruas ramificadas, sabemos do receio, da falta de entendimento…”
A ação na Barra Funda atendeu dezenas de pessoas. A próxima atividade está programada para acontecer nesta quinta-feira, 6 de abril, na Rua Edvard Carmilo, 1083 – em Jd. Celeste, Zona Oeste de SP, das 16h às 21h.