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“Minha mãe é minha grande inspiração”, diz drag baiana em entrevista ao Dois Terços

Genilson Coutinho,
26/03/2018 | 15h03

Quem circula no cenário transformista de Salvador já deve ter cruzado com Nina Codorna com suas luxuosas roupas futuristas e perfeitas maquiagens que sempre causam olhares apaixonados e comentários inspiradores. Todos acolhidos pelos ouvidos do artista Marcos Borges, idealizador da personagem Nina Codorna que na atualidade é uma das drags mais celebradas na capital baiana, no cenário nacional e internacional pelo trabalho desenvolvido e prêmios conquistados, dentre eles o concorrido título de Face Awards Brasil, conquistando novos espaços por onde passa construindo novos projetos.

Marcos Borges / Foto: Reprodução Facebook

Numa conversa com o Dois Terços, Nina nos contou um pouco sobre trabalho, novos projetos e da sua grande inspiração que é sua mãe. Confira a abaixo a entrevista especial
Dois Terços – Como nasceu à personagem Nina Codorna?
Nina Codorna – Tudo começou como uma brincadeira entre amigos numa festa temática sobre RuPaul’s Drag Race no qual me montei com roupas e maquiagem da minha mãe. Infelizmente, alguns meses depois ela faleceu de uma forma muito trágica e passei por um período muito depressivo por conta da perda. Doei muitas coisas que usava dela. Somente dois anos depois senti que precisava me expressar novamente através da arte drag e saber que minha mãe viu Nina nascer e que eu contava com o apoio dela me faz mais forte. Ela estará com Nina para sempre e eu sempre vou me inspirar na mulher guerreira que ela foi!

DT – Financeiramente a arte transformista não é tão rentável e geralmente não cobre os custos. O que lhe motiva mesmo com essa situação?

NC – Acredito que todas as profissões ligadas ao universo artístico de maneira geral não são tão rentáveis. É difícil trabalhar com arte no Brasil e quem atua dessa forma faz por amar, a arte drag é meu combustível criativo. Muitas das pessoas que fazem drag acumulam funções, seja em outro emprego ou fazendo múltiplas áreas ligadas a este universo (moda, beleza, maquiagem). Porém a arte drag está em ascensão e tenho esperança que dias melhores virão para todas as manas.

 

DT – Você conquistou um dos mais importantes prêmios de maquiagem colando a Bahia no topo dessa arte. Conte-nos um pouco sobre essa conquista.

NC – Tenho muito orgulho pelos prêmios que conquistei (entre eles o Face Awards Brasil) que me colocou em evidência no mundo da maquiagem artística, a nível nacional e mundial. Conheci centenas de pessoas incríveis, mas saber que tenho apoio da cena e das pessoas da minha cidade que me viram nascer desde o início é muito gratificante. É louco demais porque a gente tem o estigma do preconceito com nordestinos e é daí que vem este orgulho, de mostrar que temos universo cultural muito rico e genuíno.um
DT – Você está desenvolvendo um trabalho de maquiagem com algumas divas da cena. Em que consiste este projeto?
NC – Em 2017 criei um canal no YouTube onde trago algumas manas e experimentamos processos de maquiagem de formas diferentes. Este ano, pretendo explorar o audiovisual (que aprendi bastante com a experiência do Face Awards) para trazer a performatividade drag para o vídeo. O primeiro projeto foi o “Blame The Edit” e conta com a participação de várias manas daqui de Salvador. Assista aqui:

DT – Você tem viajado bastante Brasil a fora. Qual a sua observação da cena transformista nestes locais?
NC – Já conheci as cenas drag de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Los Angeles, Nova Iorque e México. Todas as cenas são incríveis e tem suas peculiaridades culturais, mas todas têm um ponto em comum que é a cultura LGBT, isso é o que nos une. Porém, a cena baiana é sem dúvidas a que mais gosto. Aqui as pessoas antigas se misturam com as drags novas e temos números muito únicos por conta da nossa riqueza cultural. Transitar entre os diferentes estilos e singularidades de vários coletivos de drags daqui é uma das coisas que eu mais amo na cena soteropolitana.
DT – Qual o maior desafio em ser transformista em Salvador?

NC – Infelizmente a cena de Salvador não tem estrutura para bancar os artistas, alguns organizadores dos espaços tem uma mente fechada e retrógrada na forma de nos tratar, seja através de cachês super baixos ou de falta de estrutura dos ambientes. Infelizmente isso é um reflexo da nossa economia e do fato de nossa arte ser extremamente marginalizada. Somado a isso existe o preconceito da própria comunidade LGBT em não se relacionar com uma pessoa que faz drag ou não frequentar nossos espaços. Apesar de todos estes problemas (que acreditam que não sejam somente daqui) conheci pessoas incríveis e por isso não penso nunca em desistir. A arte drag me salvou e vou lutar cada vez mais salvar essa arte.

Confere um pouco mais da diva.